Esta carta dirige-se aos meus familiares e a razão pela qual é anónima creio que não seja necessário explicar dado que nesta família não se podem confiar segredos nem às paredes, esconde-se tudo de todos e ninguém é capaz de tirar a máscara, aparentemente nem mesmo eu.
Não me dirijo a ninguém em particular, mas a todos, somos farinha do mesmo saco, talvez sejamos apenas iguais a toda a gente mas querendo acreditar que há de facto algo forte que nos liga quero ver isso como um traço do nosso caráter, embora não seja dos melhores traços que se desejem...
Acredito que algumas, poucas pessoas saibam quem sou, mas isso não interessa agora, por alguma razão não assinei a carta.
Quero que olhem para vós próprios e me digam se são realmente felizes com a vossa situação atual. Não somos unidos, não somos como uma família, ou pelo menos a que gostaria que fôssemos, não nos conhecemos, o que sabemos uns dos outros? Apenas o que se segreda de ouvido em ouvido... Coisa que às vezes caio no erro de fazer. Às tantas já nem sei no que acredito, se o melhor é ir com a maré ou se hei-de fugir das ondas porque aparentemente ir contra não é opção viável. Tentei, só me destruí mais...Só me senti isolada. Afinal o ser humano é um ser social e necessita de se sentir em comunidade, e por muito que aprecie a minha solidão, acredito que essa seja a verdade, posso abdicar de muito devido ao feitio que tenho mas da família não consigo...
Por vezes é triste quando vejo outros a gabarem o quanto são parecidos com os pais/avós/primos/etc, colocando fotos embaraçosas pelas redes sociais, "Idiotas" - penso - "Não têm mais nada para fazer...", no entanto no fundo roo-me de inveja, quem me dera ser um daqueles idiotas, quem me dera que alguém estivesse aqui no meu lugar a ser frio e solitário e eu estivesse ali, a fazer figuras, a ser feliz.
Talvez nós todos estejamos acima...Penso isso de mim por vezes, sabem, muito tristemente na minha miséria acredito fielmente que me sinto assim apenas porque não me deixo envolver no mundo de ilusões que todo o resto do mundo acredita. Amor. Amizade. Lealdade. Bondade. E coisas do género...tudo palavras inventadas para descrever ilusões, para esconder a nossa verdadeira natureza, certo? Ou não... Não sei, mas sinto isso às vezes. Muitas vezes me sinto isolada, e acredito ter pensamentos que poucas pessoas têm, não que seja mais inteligente, apenas que seja mais danificada, como se algo de errado se passasse comigo... Nos últimos tempos não tenho conseguido ser tão bem sucedida em esconder-me, em conter-me, tendo tido algumas explosões indesejadas (como ficou bem claro) e por um lado se foi um alívio de certo modo libertar-me um pouco por outro lado mais desapontada fiquei por ver o quão importante era que permanecesse com os meus pensamentos para mim própria para não "magoar os sentimentos de algumas pessoas", isto vindo das duas maiores mártires que já conheci, foi como se me pedissem a mim que fizesse parte da sua "Associação" (que aparentemente só deve ter indivíduos do sexo feminino) - porque, o que é sem dúvida regra nesta família é que por muito que se evolua apenas as mulheres se devem sacrificar pelo bem da humanidade... Mas continuando, esse pedido meio que implícito no meu silêncio, entre outras coisas, magoou muito, pois quem me amasse ou quisesse bem não mo pediria, mas também quem o fez já entranhou que estou destinada a um igual destino, a servir homens para a minha vida, como se ela dependesse disso... Pois estou determinada a não vos dar esse gostinho, não farei parte dessa associação. - E é por frases como esta que dizem que preciso de ser internada, pois tento manter-me fiel de que todos nesta família ganhariam com um tempinho internados numa ala psiquiátrica, a solução simples seria por fim serem capazes de colocar as cartas na mesa e dizerem o que sentem quando sentem, ao menos entre família, mas não, e para quê? O que ganham com o silêncio? Uma família colada com pastilha elástica? Com tempo nada durará... pois eu espero que não sejamos pessoas danificadas o suficiente e consigamos encontrar felicidade noutro lado, não sei, talvez seja só eu com estes sentimentos, e nesse caso peço perdão, mas sinceramente, serei mesmo só eu? E se sim como é que aguentam? Com tantos segredos, interesses, palavras que ficam por dizer, sacrifícios... Pois eu acredito que seja possível existirem pessoas que sejam verdadeiramente unidas, que consigam ultrapassar os seus problemas e falar abertamente sobre eles e não jogá-los para debaixo do tapete...
De momento estou numa fase de indiferença meio aceitação...Contenho o máximo possível e seleciono as palavras com cuidado quando decido fazer algum comentário, mas é impossível não me sentir excluída, como se os meus sentimentos não interessassem, algum de vocês pensa assim? Alguma vez vos terei feito sentir o mesmo? Talvez, bem provável que tenha... E sim, às vezes desculpo-me que foi assim que fui criada e por isso mesmo caio no erro de fazer igual, talvez seja assim para todos, mas alguma vez tentaram fazer algo ou dizer algo? Alguma vez tentaram enfrentar a situação de frente? Porque eu posso dizer que já o fiz, mais do que uma vez, e foi preciso coragem porque as duas pessoas que mais amo e que preciso neste mundo se colocaram contra mim, me fizeram sentir que estivesse maluca, me fizeram sentir que estava sozinha...E só por isso aceitei entrar de novo nesta fase, neste silêncio, porque talvez por enquanto prefira uma família com pastilha elástica do que nenhuma... Mas preciso de continuar a escrever, porque senão posso cair no erro de persistir com isto...E eu sei que o facto de não aceitar me irá causar oscilações com a fase da depressão em que não aguento esta farça, e depois irei gritar e chorar e sentir-me abandonada de novo, mas talvez precise disso, preciso de não aceitar...gostava de conseguir fazer a diferença para vocês mas uma vez que esta mensagem vai ficar por aqui, escondida debaixo do meu tapete porque a associação assim o ordena creio que esse desejo seja impossível... Espero crescer, e encontrar um eu feliz num futuro próximo, gostava que fosse entre vocês...
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