sábado, 24 de outubro de 2015

Never whole

Pergunto-me porque terei de falar mais baixo,  como se houvesse o receio de que ele ouvisse. E se ouvisse?  É alguma mentira?  O que há a recear?  Só estou a expôr ao alto o que ele me fez,  e não só ele... Se há algo que ele,  e não eu, devesse sentir era arrependimento. Eu não tenho de ter medo da verdade,  nem do quanto ela magoa,  porque decerto não há-de magoar tanto como ele a mim. E ainda magoa,  mesmo não fazendo nada,  porque o que havia a fazer já está feito e não vejo quaisquer tentativas de melhorar isso. E não consigo compreender porque o defendes nem o porquê de todos fecharem os olhos ao que ele me fez,  ao que ele nos fez, parece que somos umas mártires e que o nosso dever é sofrer e depois fingir esquecer só para não magoar os meninos.... Pois esse não é o meu modo de pensar. E eu?  O que é suposto eu fazer com isto que sou eu?  Isto que sobrou do que eu era... Imagino o que eu poderia vir a ser. Algo melhor que isto. É muito frustrante chegar ao final de alguns dias e aperceber-me de que nunca irei ser inteira,  que sempre me faltará algo,  que sempre vou me recordar disto,  e de que tu e tantas outras pessoas pensam que eu devia simplesmente ser como vocês e seguir em frente. Mas foi isso mesmo que fizeram?  Seguiste mesmo?  Consegues chegar ao final do dia e sentir que o passado não te influencia mesmo?  Que estás livre do que passou?  Então diz-me porque não consegues ser feliz?  Então não me dês lições,  nem me digas que me armo em vítima. Eu fui vítima, porque tu também o foste e deixaste que eu fosse,  porque ele decidiu que o devíamos ser. E se achas que isso não me molda como pessoa então enganaste. Diz que eu sou igual a ele,  pois apesar disso ser o que mais receio acabo por achar que é verdade em muitos aspetos, e sabes como sei isso?  Porque cheguei à conclusão que já nem me importo de ser. Só me importa o facto de não conseguir seguir em frente,  de não conseguir falar abertamente com ele,  porque implantaram em mim este receio de que se o fizer então tudo se desmoronará. Mas desmonará para quem? Para ele?  Irá ele finalmente aperceber-se do que fez?  Não percebeu ainda?  Que faz igual a quem o magoou?  Desmonará para ti?  Porque terás de amparar a queda dele?  Eu tive de te ajudar a amparar a queda durante todos estes anos,  mesmo pequena... E não é o teu dever amparar a queda dele... Desmonará para mim?  Porquê?  É isso que receias? Sinceramente?  Se há algo que vou sentir quando finalmente falar tudo o que tenho para lhe dizer é livre.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

11 Girl

Sabem aqueles filmes que possivelmente as vossas mães vos obrigam a ver porque o vosso pai não se interessa por romancezinhos?  Aqueles que sabemos já o final ainda antes de começar mas que não impede a vossa mãe de chorar quando a X atira o secador de cabelo ao Y e jura para nunca mais o ver e que vai casar com o Z. Se sim,  lembram-se da cena em que o rapaz vê a rapariga e uma musiquinha toda soft começa a tocar de fundo?  É das coisas menos realistas,  já que a vida real não tem banda sonora, ou pensava eu.
Ia eu a descer no elevador com o vizinho do 14 andar quando a rapariga do 11 entrou. Eu já a tinha visto antes. Usava uns grandes óculos quadrados que numa outra época a fariam parecer uma geek mas que agora aparentemente estavam na moda,  e não sei se era isso ou se lhe ficavam mesmo bem com aquele cabelo liso cortado todo direito e a roçar-lhe pelos ombros. Calças e casaco de ganga clara e umas pernas muito fininhas. Eu era um grande apreciador de curvas mas ela tinha sem dúvida um corpo bonito. Bom,  nisto de estar a olhar para ela meio indiscretamente lembrei-me de que ainda tinha o telemóvel na mão -costumava ir a ouvir música no caminho a pé para a universidade - coloquei-o no bolso de trás das calças e sem querer apertei o botão e "Sex after cigarettes - Nothing is going to hurt you baby " começou a tocar. Eu já estava de auscultadores nos ouvidos e agora não ia tirar o telemóvel do bolso pelo que a deixei a tocar.
Saímos os dois no rés do chão,  ela foi à frente,  abrindo todas as portas e segurando-as para mim,  eu ia segurando para evitar parecer parvo o facto de termos os papéis meio invertidos (chamem-me antiquado) . Na última porta, ia já eu no refrão, ela segurou-a e fitou-me por apenas uns segundos,  fiquei ali a olhar para ela, através das enormes lentes, o cabelo os olhos,  as bochechas rosadas na pele pálida , quando me apercebi que me tinha esquecido de segurar a porta o que fiz logo de forma estupidamente atabalhoada, o que a fez sorrir,  fitando o chão e apertando o monte de livros contra o peito.
Aquela música atraiçoou-me.